Foto: Marlucia Amaral - Parahybano

Foto: Marlucia Amaral – Parahybano

Se “o sertão vai virar mar”, como diz uma das profecias mais conhecidas do país, atribuída a Antônio Conselheiro, só o tempo vai dizer. Fato é que na foz do Paraíba do Sul, o rio — combalido para a luta com o Atlântico — virou praia. As constantes investidas das ondas modificam a orla de Atafona, litoral de São João da Barra, desde a década de 1950, com a destruição de pelo menos 15 ruas, centenas de residências e comércios. A mais recente mudança geográfica ocorreu entre os meses de maio e junho, no encontro do rio com o mar. E impactou até a pesca, principal atividade econômica da localidade. Onde grandes embarcações atracavam, hoje é só areia. Articulações por intervenções para conter ou amenizar a erosão costeira dão esperança aos amantes da praia das águas douradas. Ainda assim, a comunidade vive apreensiva a cada maré de lua ou alerta de ressaca.

Pescadores do Pontal se habituaram a morar em determinado local até que o mar permitisse. O que não mudava era ter Atafona como porto seguro, com opções de frigoríficos e embarque de suprimentos. Agora, especialmente para quem tem embarcações maiores, a situação mudou. Com as investidas do mar, os sedimentos também se movem. Em cinco frigoríficos, onde a profundidade do Paraíba chegava a cerca de três metros no atracadouro, hoje há somente areia. Os pneus que protegiam as embarcações do atrito com o cais de concreto estão, em sua maior parte, cobertos.

Júlio Monteiro da Silva, o popular Sapinho, é proprietário do penúltimo frigorífico antes do encontro do rio com o mar. Ele relatou que todos os empresários do ramo estão tendo despesas para enfrentar a nova realidade, como a compra de mangotes para levar o gelo até as embarcações mais distantes, entre outras adaptações: “Eu medi aqui hoje (sexta) e, com a maré seca, já tem 25 metros de areia do cais até o rio. Quase ninguém mais quer descarregar aqui. É um prejuízo grande, cerca de R$ 40 mil só nos últimos dias. O frigorífico está praticamente parado, mas tenho funcionários, até dei férias a dois por não ter muito serviço. Estou neste frigorífico há quase 12 anos e nunca imaginei ver essa situação”.

O trabalho dos pescadores, que já não é dos mais fáceis, também fica prejudicado. Dono da traineira Profeta II, Fabrício Pinheiro alerta que a areia ter aterrado o cais é, por ora, o principal, mas não o único problema. “Há muito tempo sofremos para passar na barra e cobramos que seja feita a dragagem. O canal de navegação está assoreado, o rio não tem força nenhuma e é por isso que o mar está avançando. Nas próximas viagens vamos ter de levar nossos barcos para outras cidades. É mais custoso e todo mundo perde, já que vamos deixar de comprar aqui gelo, combustível, alimentos”. Para Fabrício, a medida articulada pela Prefeitura para liberação do entreposto pesqueiro como atracadouro foi um “alívio temporário, mas que pode perder importância em breve se não for feita a dragagem”.

O bar do Santana, antes do Almir Largado, é um símbolo do repentino avanço do mar nos últimos dois meses. Parte dele já foi derrubado e o restante está fadado a sucumbir como o Recanto do Amor, o Esteirinha, o bar do Espanhol, o palafitas do Ronaldo, o Sirilândia, o posto de gasolina, a cooperativa dos pescadores, os casarões, o bar de dona Lourdes Portuguesa, a igrejinha de Nossa Senhora dos Navegantes, o Prédio do Julinho entre outras referências que o tempo não tira da memória dos que tiveram a oportunidade de conhecer:

— O Pontal mesmo não existe mais, está tudo de baixo d’água e na nossa lembrança. Essa área da Baixada era um brejo que foi aterrado. Se nada for feito, o mar vai chegar aqui também — comenta Odineia Pereira, 72 anos, que teve sua primeira casa no Pontal levada pelo mar em 1980.

Assim como Santana, a recente ação do mar levou o segundo bar do Jorginho Elvis Presley, destino idêntico ao primeiro no antigo Pontal. Antes deles, o último referencial tragado pela força do oceano foi o galpão Praianinha, propriedade da família Aquino, que em seus últimos anos foi bar e residência do campista Neivaldo Paes Soares, mais conhecido como Bambu. O prédio foi levado pelo mar em 28 de julho de 2012. Então, Bambu se mudou para a ilha do Peçanha, onde viveu até desaparecer nas águas do Paraíba misteriosamente em 21 de junho de 2015 — um caso investigado, mas sem nenhuma solução até hoje.

Quem hoje vê somente água e escombros não tem a dimensão do Pontal. Os saudosistas pintam a “Atlântida Tropical” com tamanha empolgação que desperta curiosidade, até saudade do que não se viveu em locais submersos, que jamais serão conhecidos. Estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) promete conter o avanço do mar. Das pichações apocalípticas nas ruínas da praia, uma pode soar até como clamor aos responsáveis pelo projeto: “Visite Atafona antes que acabe”.

Obra de contenção cobrada desde 1959

_MG_7116Não é de hoje que o avanço do mar preocupa moradores de Atafona. Em 17 de fevereiro de 1959, o extinto jornal campista Folha do Povo cobrava em sua primeira página “um ‘espigão’, com pedras, paralelo à costa, da foz do Paraíba (…) para a preservação do belíssimo recanto do Pontal”. De acordo com o jornal, era preciso uma intervenção “ante o avanço sistemático do mar naquele trecho da praia” e lembrou que espigões como quebra-mar foram usados no Recife e em várias praias do Rio de Janeiro, com pleno êxito. O então deputado estadual Simão Mansur (1915-1978) demonstrou interesse pela solicitação e disse que lutaria pela intervenção. Isso nunca aconteceu e o fim do Pontal está consumado.

Nos últimos anos, a esperança de salvar o que resta de Atafona voltou a ganhar força, com um projeto do INPH que atesta a viabilidade e comprova resultados eficazes em municípios capixabas. As articulações por recursos e licenças já tiveram início. A prefeita Carla Machado (PP) esteve em Brasília e levou cópia do projeto, estimado em mais de R$ 150 milhões, ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na última quarta, em reunião no Instituto Estadual do Ambiente, ela deu o primeiro passo no que tange ao licenciamento, ainda que não disponha de recursos para a conclusão da obra.

— Mesmo se já tivéssemos recursos financeiros para a execução dessa obra de contenção do mar, essa só poderia ser iniciada após ser analisado o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) pela equipe do Inea e pela Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca). Muitos são os desafios, porém é por demais importante que essa luta seja de fato abraçada por todos que amam São João da Barra — disse a prefeita.

Força popular ganha destaque nas ruas

Mobilizações populares que cobram a contenção do avanço do mar ganharam destaque neste ano. Os movimentos “Atafona Resiste” e “SOS Atafona” ganharam as ruas com manifestações e ganharam apoio da Prefeitura com um abaixo-assinado digital no site oficial. A iniciativa visa alcançar 20 mil assinaturas e sensibilizar outras esferas do poder. Até ontem, o documento ainda não tinha alcançado três mil assinaturas.

Em recente entrevista, a prefeita de São João da Barra deu destaque aos movimentos populares. “Pela primeira vez eu vejo a comunidade integrada, na luta, isso é muito bom porque fortalece. Às vezes o poder público pede, mas se os órgãos não virem o interesse da comunidade, que é a grande afetada, eles não dão a devida importância”.

O artesão Jair Vieira, dono de um acervo fotográfico do antigo Pontal de dar inveja, iniciou em 2009 um abaixo-assinado pedindo uma obra de contenção do mar em Atafona. O documento foi enviado ao Governo do Estado. Mesmo com os cofres cheios, a equipe do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), hoje preso pela Lava jato, informou que seria mais fácil indenizar os moradores que perdessem suas casas a realizar tal intervenção.

Agora, com as mobilizações da população, empresários do setor pesqueiro e marítimo, e o declarado apoio da Prefeitura, a esperança é que o projeto do INPH saia do papel e salve o que ainda resta de Atafona.

Fonte: Blog do Arnaldo Neto – Folha da Manhã

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